Rua Cantagalo, 222 - 1º Andar, Tatuapé - São Paulo/SP

  • (11) 2227-7480

Novo desenho do mercado de trabalho

O cenário a curto prazo para o mercado de trabalho não é tão preocupante, a despeito de indicadores como inflação mais alta e queda no crescimento da renda, já que os indicadores são coerentes com o ritmo menor de crescimento da economia

 O cenário a curto prazo para o mercado de trabalho não é tão preocupante, a despeito de indicadores como inflação mais alta e queda no crescimento da renda, já que os indicadores são coerentes com o ritmo menor de crescimento da economia, sinaliza o economista Fábio Giambiagi, um dos autores do livro “Demografia: a ameaça invisível”. Mas a longo prazo, a queda no ritmo de crescimento da PEA (População Economicamente Ativa) do IBGE dará nova configuração àquele mercado. Com a expectativa de vida cada vez maior, a “razão de dependência” – quantidade de idosos versus pessoas em idade de trabalhar – aumentará puxando a pressão de gastos com saúde e previdência social, segundo ele.

Outro fenômeno que desafia qualquer governo, de acordo com Giambiagi, é o “nem-nem”: a pessoa que nem trabalha, nem estuda, nem procura emprego. “Embora para quem olhar os números a diferença entre PIA (População em Idade Ativa) e PEA aponte para uma possibilidade potencial de crescimento, na prática não é nada fácil, porque esses já perderam o bonde”, diz o economista.

Um dos maiores especialistas do Brasil em finanças públicas e previdência social, Giambiagi desde 1996, faz parte do departamento econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Antes disso trabalhou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos EUA. Também foi professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e é mestre em Ciências Econômicas pela UFRJ. Também é autor de “Reforma da Previdência” e “Brasil: Raízes do Atraso”.

Ele falou longamente ao Diário do Comércio sobre o emprego no Brasil. Veja a seguir trechos de sua entrevista.

Diário do Comércio – A inflação mais alta de 2013 (5,91%) e o ritmo menor de criação afetará o mercado de trabalho?
Fábio Giambiagi – Esses indicadores, principalmente a inflação, não afetam muito – sendo que a inflação de 2013 ficou muito parecida com a de 2012. Por enquanto, não acredito que essa dinâmica seja relevante para gerar tal efeito.

DC – Nesse cenário, é possível que aconteçam ondas de demissões, ou as pessoas tenham que complementar a renda da família pelo aumento do custo de vida?
FG – Não. O que está em questão hoje é o ritmo de crescimento da economia, mas não há perspectivas imediatas em relação a isso.

DC – Dezembro de 2013 registrou a menor taxa de desemprego (5,4%) desde 2002. Já a alta no rendimento foi de 1,8%, ante 4,1% em 2012. Como se explica essa questão?
FG – Estamos falando em uma variação positiva normal para as condições atuais. Se a economia cresceu 2,3%, não dá para crescer pouco e o salário real aumentar muito. O que houve no passado recente foi uma compressão da margem de lucro que absorveu tudo isso e gerou arrefecimento. Mas de modo geral, todos os números estão consistentes com o crescimento verificado, não há nada preocupante nisso.

DC – Os últimos dados do IBGE mostraram queda no ritmo de crescimento da PEA, e o senhor lembrou que, por isso a “razão de dependência vai aumentar” (idosos versus população em idade ativa). Com base em sua afirmação, "o crescimento do PIB terá um nome: produtividade", explique os impactos disso.
FG – Basicamente a gente cresceu, na década passada, em torno de 10% (no total) de pessoas ocupadas em um Brasil com 5,5%, 6% de desemprego quando esse ciclo se iniciou. Mas depois o número de pessoas ocupadas passou a se decompor no crescimento do PIB, e o componente predominante do crescimento (da economia) e o da população ocupada com variação da produtividade era da ordem de 1,5% ao ano. Se você continuar com esse ritmo de crescimento sem ocorrer um aumento da mão-de-obra, ele não vai permitir crescer muito mais que 2,5%, 3% ao ano.

DC – O que vai acontecer quando “o desemprego alcançar o piso”?
FG – No passado, o crescimento da mão de obra era da ordem de 2,5% ao ano porque a população crescia bastante e o emprego também, esbarrando (numa variação) em torno de 5%. Então, o que vai acontecer: o crescimento do emprego condicionado ao crescimento da população em idade de trabalhar continuará caindo em torno de 1% ao ano na segunda metade da década por isso mesmo: limitada expansão da quantidade de gente em idade de trabalhar. E tudo isso influi em problemas devidamente mapeados, como infraestrutura, educação e etc.

DC – Há alguma perspectiva de retomada de crescimento da PEA, para reverter o aumento dos gastos públicos com Previdência e Saúde como fração do PIB pelo aumento da razão de dependência que o senhor coloca?
FG – Não, e isso é um dado que vem da demografia: o crescimento menor da PEA futura está associado ao fato de a população crescer a taxas declinantes, não vai mudar. O que poderia afetar seriam duas questões: em primeiro, a imigração (mas isso é difícil de acontecer) e, em segundo, aumentar a taxa de participação da relação entre pessoas economicamente ativas e pessoas em idade de trabalhar. O fenômeno atual que desafia qualquer governo passou a ser conhecido como “nem-nem”: nem trabalham, nem estudam, nem procuram emprego. Exemplo: uma jovem engravidou com 18 anos, não trabalhou porque tinha que cuidar do filho, e teve mais um (filho) aos 20 anos. É um caso “perdido para a vida”. O problema para o governo é a possibilidade de recuperação, mas não é trivial nem tão simples assim; eles já perderam o bonde. Embora para quem olhar os números a diferença entre PIA (População em Idade Ativa) e PEA aponte para uma possibilidade potencial de crescimento, na prática não é nada fácil.

DC – O senhor fala em como “tornar mais competitivo o contingente de mão de obra que estará no mercado de trabalho em 2020 ou 2030”, além de rever parâmetros, como o recorrente “mais verbas para a educação”. Pensando na correlação entre as despesas futuras por aluno versus gastos futuros com previdência, existe alguma solução para reverter esse quadro?
FG – Em 2014, temos 48 milhões de pessoas entre zero e 14 anos; em 2050, teremos 31,9 milhões, pela projeção do IBGE. Em 2014, teremos 23 milhões com 60 anos ou mais, e em 2050, serão 66,5 milhões. No futuro, teremos gastos de saúde mais pressionados, inexoravelmente, porque se gasta mais com pessoas idosas do que com pessoas em idade adulta. Concordamos que educação é importante, mas vai ter redução absoluta do número de pessoas. Mesmo que a renda se mantenha constante, por definição o gasto per capita por educação na economia vai ter algum crescimento – mesmo que esse gasto, como proporção de PIB, também se mantenha constante. Além da pressão na saúde e na previdência, com essa pressão adicional vamos acabar com uma carga tributária de 45% do PIB – e aí não vamos exportar para mais ninguém.

DC —Quando o senhor fala em “quarta idade”, e na “irresponsabilidade coletiva" de permitir a aposentadoria aos 53 anos, a solução seria manter o fator previdenciário (cálculo que leva em conta tempo de contribuição do trabalhador, idade e expectativa de vida na aposentadoria, que diminui o valor quanto menor a idade e maior a expectativa), ou é essa apenas uma tentativa para reverter o quadro?
FG – Sem dúvida ele tem que ser mantido, ou então tem que mudar as regras de aposentadoria. No Brasil as pessoas se aposentam muito cedo: a idade média das mulheres por tempo de serviço é 52 anos – o que é completamente absurdo em nível mundial. Aqui as pessoas trabalham 30, 35 anos e vivem outros 30 ou mais. Esse tempo tem que ser revisto, ou as contas não fecham.