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As regras brasileiras de subcapitalização

Em se identificando o endividamento excessivo, os juros correspondentes passariam a ser indedutíveis para fins de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

Fonte: Valor Econômico

No contexto das alterações que a legislação tributária brasileira vem sofrendo no campo do direito tributário internacional, foram editadas pela Medida Provisória nº 472, convertida, em 11 de junho de 2010, na Lei nº 12.249, regras contra a chamada subcapitalização (em inglês, thin capitalization), a qual, em termos gerais, configura-se nas situações em que haveria um excessivo financiamento de uma empresa via endividamento, em comparação ao aporte de capital dos sócios. Em se identificando o endividamento excessivo, os juros correspondentes passariam a ser indedutíveis para fins de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Tais regras ainda não completaram seu primeiro aniversário, havendo dúvidas no mercado a respeito de aspectos específicos relacionados à sua aplicação. Contudo, uma questão importante a se debater, que antecede quaisquer questionamentos específicos que possam ser levantados, é se as regras de subcapitalização, da forma como se encontram nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249, de 2010, são compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro. Para que possamos apresentar uma resposta a tal questionamento, é importante definirmos qual a natureza das regras de subcapitalização. Tratam-se de meras regras de limitação de dedutibilidade ou seriam normas antielisivas específicas, regras contra o planejamento tributário? De acordo com a experiência internacional sobre a matéria, as normas que reprimem a subcapitalização das empresas são normalmente tratadas como normas antielisivas específicas. Sendo assim, as regras visariam coibir estruturas artificiais nas quais o aporte de capital do sócio é substituído por dívida. O item 29 da exposição de motivos da Medida Provisória nº 472, de 2009 aponta que esta parece de fato ter sido a finalidade da edição da regra brasileira. No entanto, partindo dessa premissa, teríamos que examinar se tais regras passam pelo filtro da razoabilidade. Ao analisarmos os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249, de 2010, como regras contra planejamentos tributários abusivos, considerando que o legislador brasileiro optou por estabelecer uma presunção absoluta de endividamento excessivo, sem levar em conta as peculiaridades do caso concreto ou do ramo de atividade da empresa captadora dos recursos financeiros, não prevendo, ainda, nenhum procedimento para que o contribuinte possa demonstrar o caráter não abusivo de seu caso particular, tudo indica que as regras brasileiras de subcapitalização não passam pelo teste da razoabilidade. Não se defende aqui, como ocorre em algumas situações, que o Brasil seria uma ilha no mundo contemporâneo, em que as regras contra a subcapitalização não seriam possíveis. Vários países possuem tais regras e o Brasil, em entendendo que seus benefícios ultrapassam seus ônus aplicativos, também as pode ter. Tudo o que estamos alertando é que, da maneira como foi redigida a regra, parece não haver uma congruência entre os fins visados e o modelo adotado pelo legislador. Há quem sustente que as regras em análise não são especificamente antielisivas, mas sim uma mera limitação à dedutibilidade de despesas de juros em certas situações. Se há sérias dúvidas quanto à constitucionalidade das regras dos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249 consideradas como regras antielisivas, se as mesmas forem qualificadas como limitações à dedução de certas despesas entendo que não haverá mais dúvidas a respeito de sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico. De fato, examinando-se os referidos artigos nota-se que a restrição das regras de subcapitalização é aplicada tendo como premissa a dedutibilidade da despesa de acordo com a legislação do Imposto de Renda. Ou seja, primeiro determina-se que a despesa de juros é necessária para a atividade da empresa e para a manutenção da fonte produtora de renda e, depois, aplica-se a limitação de dedutibilidade se identificada a subcapitalização. Se a despesa primeiro tem que ser identificada como necessária, a conclusão é que a sua dedução só poderia ser obstada caso identificado algum comportamento abusivo por parte do contribuinte. Do contrário, a restrição à dedutibilidade certamente seria contrária ao disposto no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Diante do exposto, deve-se examinar com cuidado os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249 a fim de verificar sua legitimidade diante do ordenamento jurídico brasileiro. Mais uma vez reitero que o propósito deste artigo não é debater a conveniência e oportunidade de termos no Brasil uma regra inibidora da subcapitalização das empresas. O que afirmo é que essa regra deve ser razoável. Vê-se atualmente que o "consequencialismo", referência que se faz à análise pelos tribunais dos impactos sócio-econômicos de suas decisões, a qual por vezes supera os argumentos jurídicos envolvidos no caso concreto, vem atuando como ator principal nos julgamentos das cortes superiores. O grande risco desta filosofia jurídica é acabar liberando o legislador dos limites impostos pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional à sua tarefa de elaboração de leis. Acredito que é isso o que se passa com as regras contra a subcapitalização. Sergio André Rocha é sócio da área de impostos da Ernst & Young Terco e professor da FGV-Rio Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. 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