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STF poderá rever regras para deficientes

Somente 25% das empresas conseguem preencher as cotas; total de contratados está em queda

Fonte: Folha de S.Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) votará nos próximos meses uma ação que poderá instituir a flexibilização das regras para a contratação de deficientes pelas empresas.

Hoje elas são obrigadas por lei a reservar cotas para deficientes sob pena de multa.

A ação é um recurso movido pelo Pão de Açúcar no STF contra o Ministério Público do Trabalho, que autuou a rede Sé, adquirida pelo grupo, por descumprimento das cotas há dez anos.

A empresa diz ter cumprido a lei e que foi multada porque só consideraram como deficientes aqueles com atestado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Caso seja julgado em favor do grupo, o recurso abrirá precedentes ao empresariado que hoje reclama da rigidez da legislação.

Segundo o Ministério do Trabalho, somente 25% das empresas conseguem preencher as cotas. A lei vale para companhias com mais de cem funcionários e define que entre 2% e 5% do total tem de ser deficiente habilitado pelo INSS. O índice varia com o porte da empresa.

A legislação também define os tipos de deficiência, excluindo as consideradas "mais leves" -diferenciação que as empresas consideram "inconstitucional".

Resultado: entre 2007 e 2010, o número de deficientes contratados passou de 348,8 mil para 306 mil, uma queda de 12%, segundo o Ministério do Trabalho. No mesmo período, os registros em carteira tiveram alta de 17%.

FALTA MÃO DE OBRA

Além dessas restrições, o empresariado reclama da escassez de deficientes capacitados para o trabalho.

No último Censo, 24% da população declarou possuir algum tipo de deficiência.

Em Joinville (SC), por exemplo, onde 12% da população declarou-se deficiente, pesquisa feita pelo Sesi (Serviço Social da Indústria) revelou que somente 0,76% estaria apto. Em Blumenau, esse índice foi de 0,9%. Na cidade, 12% da população disse ter deficiência.

"Existe o problema da qualificação, mas estamos em uma fase de transição", diz Loni Manica, gestora nacional do programa Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Ações Inclusivas que já capacitou 76 mil deficientes. "Mais da metade está empregada."

 

Cumprimento de cota daria emprego a 937 mil deficientes

 

Instituições e empresas que fazem recrutamento de trabalhadores estimam que o país teria 937 mil vagas preenchidas por deficientes caso a lei 8.213, batizada de Lei de Cotas, fosse cumprida. Hoje, só 306 mil são registrados, um terço do exigido.

"A lei existe há 20 anos. As empresas já tiveram tempo para se adaptar", diz Carlos Aparício Clemente, coordenador do Espaço Cidadania, que atende a Grande São Paulo. "O problema é que diversas empresas recorrem à Justiça dizendo que não encontram profissionais qualificados no mercado."

O IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência) diz que a escassez de profissionais no mercado é um falso argumento. "Sempre conseguimos atender aos pedidos das empresas", diz a superintendente Teresa Costa d'Amaral.

Com 12 mil currículos cadastrados (a maioria de nível superior completo), a Page Personnel diz que o problema é o preconceito. "Além disso, as empresas não sabem o que fazer com um deficiente no ambiente de trabalho", diz Danilo Castro, diretor da Page Personnel.

Resultado: insatisfação. Em São Paulo, 64% dos contratados estão frustrados, segundo uma pesquisa feita pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) para a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo. Sete entre dez disseram nunca ter recebido uma promoção.

PLANO DE CARREIRA

Mas há exceções. Em 2010, o laboratório Fleury contratou Eric Mooser, 34, para coordenar o atendimento de uma unidade na capital paulista. Mooser, que não tem uma parte do antebraço esquerdo, foi promovido no ano passado a supervisor das unidades de Campinas e Jundiaí.

Na Positivo Informática, os deficientes também têm plano de carreira, como qualquer funcionário. "A nossa preocupação não é só cumprir as cotas," diz Hélcio Tessano, diretor de RH. "O objetivo é incluir de verdade."

 

Análise

Inclusão depende também de adaptação do resto da equipe


JAIRO MARQUES

 

No escritório, um assessor jurídico cego tenta trabalhar, mas, como não há um programa que faz a leitura da tela do computador, passa o dia jogando palavras cruzadas em braile.

A moça, quase surda, do telemarketing, peleja para conseguir entender o cliente que fala "baixinho". O auxiliar de almoxarifado, cadeirante, não vê a hora de acabar o expediente. O banheiro da firma não tem adaptação.

Empresas se apressam para tentar, de qualquer modo, promover o que acreditam ser inclusão e evitar serem feridas no bolso, tomando multas por não cumprir a Lei de Cotas.

Por trás dessas ações, pessoas com deficiência deixam de ser cidadãos e profissionais para servir de escudo legal.

O espírito da garantia ao trabalho àqueles que possuem limitações físicas, sensoriais e intelectuais é digno de reverência, uma vez que pretende dar dignidade a quem teve uma vida de exclusão social e que é alvo fácil de análises ligeiras de suas capacidades.

Mas, em um país onde apenas nos últimos anos esses cidadãos começaram a sair de casa e a ter seus direitos reconhecidos -inclusive pelo Estado-, é razoável que haja alguma dificuldade de adequação e cumprimento das normas.

Também é possível considerar a existência de algum grau de limitação para encontrar esses profissionais habilitados, uma vez que falta de qualificação é realidade geral no Brasil.

Botar uma pessoa com um cão-guia dentro de uma empresa envolve bem mais do que comprar uma tigelinha com a inscrição "Lulu". É preciso saber em qual setor ela pode e tem capacidade de atuar de maneira satisfatória, alertar os colegas sobre possíveis diferenças na realização de um trabalho e preparar o ambiente para a atuação dela.

Cotas devem ser para valorizar diferenças e promover justiça social, mas é preciso pensá-las com planejamento e dar alternativas de compensação para casos de dificuldades flagrantes de contrato.