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Pressão no turbo fiscal

Se o governo coloca lenha fiscal na caldeira da economia, enquanto o BC preserva congelada a Selic, lá na frente a taxa vai ter de subir muito mais aceleradamente para tirar o atraso

 Os analistas do mercado financeiro têm certeza de que o governo não vai cumprir a meta fiscal do ano. O compromisso de superávit primário correspondente a 1,9% do PIB, firmado em fevereiro, visava dissuadir a Standard and Poor’s de revisar para baixo a nota brasileira. Não deu certo. Em março, a agência rebaixou o rating de BBB para BBB-, o último degrau do investimento de qualidade. Mas, ao mesmo tempo, a S&Ps pôs um viés de estabilidade. As outras duas agências globais de peso, a Moody’s e a Fitch, só irão mudar a nota depois de conhecidos os planos do próximo presidente da República. Se é assim, eleva-se a pressão do turbo fiscal para tentar salvar o ano e os empregos dos eleitores, pois 2015 a Deus pertence.

É claro que o pregão de juros futuros da BM&F, apesar daquela certeza dos economistas, não vai deixar de subir as taxas dos contratos diante de um prato tão saboroso quanto o servido na tarde de sexta-feira pelo Tesouro Nacional. O governo central contabilizou em maio um déficit primário de R$ 10,502 bilhões. Nunca teve um maio tão ruim assim desde que se iniciou a atual série, em 1997. Mais: foi o pior resultado para qualquer mês desde a eclosão da crise de 2008. O Banco Central divulga hoje o resultado consolidado. E a expectativa é que aponte para o ano uma economia de 1,4% do PIB. Antes da publicação dos dados fiscais, o couvert veio sob a forma da queda real de 5,95% sofrida pela arrecadação federal de maio. Culpa da anorexia econômica e das desonerações destinadas a impedir que ela emagreça o mercado de trabalho. 

Na BM&F, a taxa para janeiro de 2016 avançou de 11,12% para 11,15%, e o contrato com vencimento um ano depois de 11,41% para 11,48%. Os juros sobem porque se a política fiscal provoca inflação, o Banco Central terá de arquivar seus planos de manter a Selic em 11% até o fim de 2015. Se o governo coloca lenha fiscal na caldeira da economia, enquanto o BC preserva congelada a Selic, lá na frente a taxa vai ter de subir muito mais aceleradamente para tirar o atraso. Mas o mercado não faz — nem pode, em nome da proteção das carteiras — o raciocínio de que o combustível fiscal só será injetado até 26 de outubro, data do segundo turno das eleições. Precisa sempre considerar a possibilidade do pior: rebaixamento do rating para investimento especulativo, fuga de capitais, disparada do dólar, da inflação e dos juros, recessão e desemprego. A sorte é que o mercado sempre tem duas mãos: para quem está “comprado” em taxa, há sempre alguém “vendido”, apostando no oposto. 

E o oposto está mais visível no mercado de câmbio. Na sexta-feira, depois de permanecer quase toda a sessão em alta, o dólar encerrou em queda de 0,04%, cotado a R$ 2,1954. Faltando o pregão de hoje para o encerramento do mês, o dólar acumula em junho perda de 2,02%. Para esta desvalorização, três fatores foram decisivos: 1) A ampliação da liquidez europeia, decidida pelo Banco Central Europeu (BCE), que volta a se reunir esta semana, franqueou o acesso de empresas brasileiras ao mercado global de dívida corporativa, aumentando o fluxo de dólares para o país; 2) O Federal Reserve (Fed) protelou para um futuro mais longínquo o movimento de alta da taxa básica de juros dos EUA, derrubando os juros de 10 anos para aquém da linha de R$ 2,60; 3) Depois de ter permitido o resgate de metade dos swaps cambiais que venceram no dia 2 de junho, o BC acelerou o processo de rolagem dos papéis que seriam resgatados amanhã e deixou que apenas 8% do total de US$ 10,06 bilhões perdessem o hedge. O volume que terá de encontrar outra forma de proteção, de US$ 810 milhões, não é expressivo. Nesta primeira semana de julho haverá certa apreensão em relação ao que fará com os US$ 9,46 bilhões em swaps que vencerão em 2 de agosto. Em princípio, como a prioridade é evitar excitações cambiais que possam apresentar sequelas inflacionárias, a tendência é de a maior parte ser revalidada; e 4) O BC acabou com o suspense e anunciou a extensão do atual programa de intervenções cambiais até o fim do ano.

Hoje é o último dia para os investidores tentarem influenciar a formação da taxa de câmbio oficial — a Ptax — de forma a obter vantagens em suas posições carregadas nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Mas não há este mês um embate feroz entre “comprados” e “vendidos”. As posições de ambos pouco oscilaram ao longo de junho. Há uma leve predominância dos “vendidos” — os investidores que apostam na queda da moeda — sobre o grupo de “comprados”, circunscritos hoje aos investidores estrangeiros. Mas tal pressão de baixa não pode ser considerada determinante do viés de apreciação cambial. Até porque a diferença entre “vendidos” e “comprados” não é das acentuadas. 

O primeiro contingente, formado por bancos e fundos de investimentos nacionais, detinha, segundo a última posição oficialmente conhecida, referente à quinta-feira, posição líquida total de US$ 26,95 bilhões nos pregões de cupom cambial e dólar futuro. Já os “comprados” — fundos estrangeiros interessados em proteger suas carteiras de títulos públicos da erosão cambial — carregavam liquidamente US$ 24,34 bilhões. O poder de fogo dos “vendidos” se resume a US$ 2,61 bilhões. São os fundos nacionais, detentores de um volume de contratos de US$ 6,43 bilhões líquidos os mais motivados a derrubar a moeda americana. O mais alentado representante dos ”vendidos”, com operações no montante de US$ 20,52 bilhões, são os bancos nacionais. Mas estes assumem meramente o papel de fornecedor de liquidez às contrapartes. Não operam unidirecionalmente. E os estrangeiros, já que recorrerem aos pregões da BM&F para se proteger, não agem ativamente para rentabilizar suas posições “compradas”. Se fizessem isso, o que ganhariam com a alta do dólar, perderiam proporcionalmente na remuneração real dos seus títulos públicos. 

A situação dos fundos de fora está longe de ser paradisíaca. Até meados de 2011, podiam ficar “comprados” em títulos públicos e “vendidos” em dólar. Ganhavam nas duas pontos — a Selic e a desvalorização do dólar — porque tinham certeza de que a apreciação cambial era inexorável. Hoje, não. Precisam fazer o hedge porque não há nenhuma confiança de que o BC consiga manter indefinidamente o dólar na banda estreita entre R$ 2,20 e R$ 2,25.